sábado, 26 de julho de 2014

Sobre o amor que vai nascer

Às vezes eu me pego me sentindo insegura por me tornar mãe de duas crianças. Quando a gente tem um filho só, é dele todo nosso amor, nosso cuidado, nosso tempo, nossa admiração. Quando chegar uma criança nova na casa, de repente, vou acordar e não ser apenas mãe da Aurora. E eu tenho um pouco de medo disso. Porque amor de mãe não é algo inerente ao ser humano. Não sabia? Pois é, não é. Esse papo de "eu já te amava desde a barriga" ou "te amei desde a primeira vez que te vi", não é bem assim. A gente ama imaginar aquele bebê, ama pensar que vai ser mãe, ama um bebê idealizado, porque a gente sabe que realmente um dia vai amar muito aquele bebê. Mas, logo que nasce, não é bem assim. A gente adora aquele cheirinho, a companhia, qualquer sorrisinho nos derrete, mas o que acontece ali nas primeiras semanas de vida extra-uterina é um apaixonamento. O amor não vem pronto, ele nasce e cresce, nutrido pela forma como é alimentado.
Existe inclusive um estudo sobre o mito do amor materno (se quiser ler, joga no Google que dá pra ler uma tese super bacana sobre o assunto), que conta que as mulheres de antes tinham amas de leite que na verdade eram quem criavam seus filhos. Elas davam herdeiros aos maridos, mas não desenvolviam uma relação com as crianças. Eram meros produtos esperados do casamento. Com a Peste Negra e a população dizimada, tornou-se necessário proteger e aumentar a população e, aí, convenientemente, foi inventado o amor materno, maior amor do mundo, que só as mães sentem. As mães, nutridas por esse sentimento inventado, passaram a se dedicar mais aos filhos e a desejar amamentá-los e criá-los, o que lhes garantia longevidade e, consequentemente, favorecia o aumento populacional. Bem, o fato é que a coisa pegou de tal modo que hoje nós, mães, nos sentimos responsáveis e culpadas por tudo que acontece com nossos filhos. A sociedade espera que nós amemos, eduquemos, que demos nossas vidas diariamente pelos filhos. Essa cobrança não existe com os pais, o que torna nosso papel como mulheres bem mais sacrificante, assumindo jornadas múltiplas de mãe, esposa, trabalhadora, e ainda tentando, quando lembramos, encontrar tempo para nossa individualidade. Não é mole.
Mas, por que foi que lembrei do mito do amor materno? 
Ah, sim, porque assim como a mãe não ama instantaneamente um bebê que nasceu, o bebê também não traz consigo um amor imenso pela mãe. Ele traz necessidade, ele nos suga os peitos, o tempo, a vitalidade. Ele nos usa. E muitas vezes a sensação é justamente essa: "estou sendo usada. Se outra pessoa lhe desse colo e peito ele nem sentiria minha falta". Em parte isso é verdade mesmo. Porque um bebê, até cerca de 3 meses de idade, não compreende que ele e a mãe não são a mesma pessoa. No entendimento dele, que viveu por 9 meses sem conhecer fome, dor, sono, irritação, totalmente dependente do corpo materno, os primeiros meses extra-uterinos são como prolongamentos desse período, mas agora ele precisa cobrar pelo que antes tinha naturalmente. E o que ele quer é não sentir desconforto, então ele chora e pede aquilo que lhe falta. Quase sempre um peito, uma fralda limpa ou um calor de colo. Sim, somos usadas. Mas será que também não é amor uma pessoa achar que ela e nós somos uma só?
E assim passamos os primeiros meses da maternidade tendo surtos de "como eu amo esse bebê" e "queria poder devolver pra barriga". E assim o amor nasce. E cresce. E vira o maior amor do mundo. Se é um amor convenientemente inventado, não sei, mas a verdade é que não há como escapar dele. E nem sei se alguém iria querer escapar.

Conscientemente eu sei disso. Sei que vou aprender a amar essa menininha. Mas eu tenho medo. Porque tenho uma história com a Aurora. Já a conheço, já a admiro, já recebo dela amor e não apenas necessidades vitais a serem supridas. E, ao receber em nossas vidas essa outra criança, terei em casa um amor enorme consolidado pela minha filha mais velha e esse outro amor que irá nascer e crescer. E sei que em alguns momentos vou comparar e sentir que amo mais a Aurora. E vou me sentir culpada por isso. Porque a gente sempre ouve que as mães não amam mais um filho que o outro, que não preferem um ao outro. Mas isso é num estágio mais lá na frente. Inicialmente, é um estranho no lar, um adorável estranho, mas cujas características nos são desconhecidas. Não conheço sua risada, nem suas preferências, às vezes nem saberei fazê-lo parar de chorar.
Eu tenho medo, sim. Não um medo consciente, porque conscientemente eu sei que isso é um processo e que com o tempo terei duas bonecas lindas e amadas. Mas lá no fundo eu tenho medo de me sentir incapaz e de ficar ansiosa para que o maior amor do mundo finalmente transborde entre nós duas.

Acho que esse medo só passa quando a própria Aurora, na maior doçura, já demonstra como quer conhecer e cuidar e amar esse bebê. Hoje ela disse que quando a irmã chorar à noite, ela irá descer da caminha (elas terão uma beliche quando a menor - cara, ela precisa de um nome, porque é muito chato ficar falando assim: irmã menor, caçula, bebê... - sair da cama compartilhada e for pro quarto da Aurora), e ela é quem vai cuidar da irmãzinha e fazê-la parar de chorar. Disse ainda que não vai acordar a mamãe, porque a mamãe vai ficar feliz (ela sabe que eu PRECISO de noites bem dormidas...rs). E depois pegou uma bonequinha de pano, carregou no sling, deu mamadeira (por que não amamentou a boneca?? Fiquei chateada!), levou pra cama e contou história pra ela dormir. E então me disse: "Sabe por que ela vai dormir comigo? É enquanto minha irmãzinha não chega, porque ela está demorando muito."

Eu com medo e ela louca de vontade de ter a irmã junto dela! Preciso aprender mesmo com essa inocência, com essa naturalidade. E preciso me acalmar, porque não estou sozinha.

Pra finalizar minha noite de doçura, ela disse "Boa noite. Sonha com os anjos. Dorme bem. Eu te amo." Desejei-lhe o mesmo e disse que também a amava. E ela falou: "Nós duas amamos mais, né? ... Sabe por que eu falo isso muitas vezes? Pra você não esquecer."

(Agora me diz se é possível receber amor assim de mais uma criança e não explodir?!)

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